Publicado em 07/01/2020 - nilson-bortoloti - Da Redação
Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo do
jornalista carioca Sérgio Porto, conta-nos na sua deliciosa crônica “A Vontade
do Falecido” a estória de Irineu Boaventura, grande sovina que vivia só para
amealhar.
Solteirão
convicto, guardava todos os seus dinheiros num cofrão verde que tinha em seu
escritório.
Como já
estava bem velho, a família botava olho gordo na fortuna mantida pelo parente
trancafiada a sete chaves.
Um dia,
deu-se o evento. Seu Irineu partiu desta para a melhor.
Os parentes foram velar o morto, na
expectativa da leitura do testamento.
Para
desalento geral, leu-se do documento as seguintes palavras: “Quero ser
enterrado com o meu dinheiro do cofre verde, que foi juntado sem a ajuda de
parente vagabundo nenhum.”
Grande foi a choradeira, não pelo morto, mas
pela “bufunfa”, que estava indo para ser devorada pelos vermes. Fazer o quê! Todos vigiavam cada um para que ninguém
desrespeitasse a vontade do falecido.
E a
dinheirama foi armazenada ao lado do corpo, dentro do caixão. O velório
prosseguia com a fortuna espremendo o corpo do falecido, que parecia estampar
no finado rosto um sorriso sarcástico.
Quase na
hora de sair o enterro, quando iam fechar o caixão, o sobrinho Altamirando,
malandro contumaz, deu o grito de “pera aí”,
fez um cheque no valor correspondente ao dinheiro que ia ser enterrado,
pegou todas aquelas notas e disse para a parentada perplexa: “podem fechar o
caixão, se ele precisar, mais tarde desconta o cheque no banco.”
A crônica
é ilustrativa das tolices que tenho visto e ouvido relativamente à acumulação
de bens que grassa por aí.
Conversando
com um certo cidadão, surgiu o assunto do médico de família, cujo vencimento mensal
é de algo em torno de 10 mil reais. Um salário desses, acrescido de todas as
vantagens, como férias regulamentares, férias-prêmio, décimo terceiro,
aposentadoria com a garantia da não defasagem ao longo do tempo, como ocorre
com o comum dos mortais e, ainda, estabilidade no emprego permitiria ao
funcionário, disse ao meu interlocutor, dedicar-se exclusivamente ao seu cargo
de médico de família, como, aliás, preceitua a legislação, sem precisar de
outras atividades complementares.
A pessoa
com quem conversava discordou inteiramente da minha argumentação, limitando-se
a dizer: “prá mim, não daria.”
Fiquei
pensando a razão pela qual seria tal rendimento insuficiente para a pessoa com
quem falava. Ele já tinha os filhos formados, tinha casa própria e possuía
outros bens imóveis.
Será que
as pessoas não têm consciência da finitude de tudo isso? Que para viver não é
necessário tantos bens e rendas? Acumula-se por acumular, simplesmente por
isso. Quantos Irineus há por aí!
Quantas
famílias se desagregam após a partida do patriarca, ou da matriarca? Irmãos entram
numa contenda fratricida por conta da herança.
Melhor seria não ter deixado nada, seriam evitadas pelo menos as brigas,
os dissabores, as inimizades.
Uma das
minhas manias é o de fazer conta de cabeça, coisa que herdei do meu pai, que era comerciante. Não vou dizer
que a prática é totalmente inútil porque, segundo especialistas da área, isto
pode ajudar a retardar o “alemão”. Quando me contaram que o técnico da seleção
brasileira de futebol, Tite, ganha 900 mil reais por mês, instintivamente
comecei a calcular. Tal montante equivale a 30 mil reais por dia. A maior parte
do povo brasileiro não ganha isto por ano. Quase dá para comprar um carro
popular todo dia.
Custa-me
entender como alguém consegue gastar todo este dinheiro.
Será que
estas pessoas multimilionárias são mais felizes, mais realizadas? Parece que
não. Tantos são os casos de personalidades do mundo artístico ou futebolístico
e autoridades públicas que têm salários nababescos e que vivem arruinadas, seja
pelo vício, seja pela desorganização, seja pela má administração.
A
imprensa comumente divulga casos de juízes e desembargadores, cujos vencimentos
giram em torno de 30 ou 40 mil reais por mês, que se metem com a venda de
sentenças para engordar a já imensa renda. Que hediondo e quanta tolice!
Se conseguíssemos optar por uma vida mais simples, menos gananciosa, menos consumista, sem tanta ostentação, estaríamos garantindo, não só uma qualidade de vida melhor, para nós e para os outros, mas também a sobrevida do nosso planeta.
por: NILSON BORTOLOTI